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terça-feira, 18 de agosto de 2015

Carl Edward Sagan: Um Gênio, Uma Homenagem


Carl Edward Sagan: Um Gênio, Uma Homenagem 
Carl Sagan: Uma vida, de Keay Davidson
Lisboa: Bizâncio, 2000, 618 pp.


A morte de Carl Sagan em 1996 fazia prever o aparecimento de biografias e esta foi uma das duas que apareceram quase ao mesmo tempo. (A outra foi a de Poundstone.) Davidson não se limita a apresentar-nos a vida e obra de Carl Sagan; apresenta-nos uma autêntica história das disciplinas científicas cultivadas por Sagan, e quase um tratado sobre o envolvimento cultural e social da ciência nos Estados Unidos da América dos anos 50, 60 e 70 do século que agora termina. Mesmo que o interesse do leitor sobre a vida e a obra de Sagan seja mínimo, a biografia de Davidson vale pela perspectiva única que nos oferece desses aspectos. As suas imensas referências bibliográficas abrangem praticamente todas as grandes obras de ciência publicadas desde os anos 60, e incluem ainda muitas referências a obras de áreas como a filosofia da ciência, a história da cultura e a literatura. O ganho cognitivo obtido com a leitura desta biografia é inquestionável.

Carl Sagan tornou-se conhecido em todo o mundo graças à série televisiva "Cosmos" e ao livro homônimo que a acompanhou, nos anos 80. Tanto a série como o livro foram sucessos internacionais, incluindo entre nós. Em Portugal teve o feliz efeito de desbravar um terreno na altura virgem e visto com maus olhos por parte da retrógrada universidade portuguesa da altura: a divulgação científica. A coleção "Ciência Aberta", da Gradiva, cresceu sobre o signo de Carl Sagan. E em Portugal, como em muitos outros países, muitos foram os jovens que decidiram ingressar em cursos superiores de ciências por influência de Sagan. Alguns desses jovens tornaram-se, entretanto professores e dão hoje aulas nas nossas universidades. E isto aconteceu também um pouco em todo o mundo.

Na verdade, aconteceu também com o próprio autor desta biografia, que o declara logo desde o início:

He was a hero of my childhood and youth. But a childhood hero is a dangerous thing to have, because one eventually outgrows childhood. [...] In that regard, when I began this project, the writer Timothy Ferris warned me that some biographers end up hating the subjects of their biographies. Indeed, I was worried about what I might learn about Sagan; like all professional science writers, I had heard some less than flattering stories about him. (Not all proved to be true.) [...] Yet after scrutinizing Sagan's life in detail, I must say that I not only still like him but respect him more than ever [...]. Because he lived, the world is a better place. (p. xiii da edição original)

A biografia de Davidson é implacável. Em muitas passagens, e, sobretudo depois de se ler a biografia de Poundstone, fica-se com a sensação de que Davidson precisava mesmo de exorcizar o herói da sua juventude, o que o terá levado em alguns casos a ser injusto. Mas há vantagens numa biografia assim: se o biografado resistir a esta atitude sem se transformar aos nossos olhos em mais um ser humano mesquinho e patético, isso significará que, muito provavelmente, ele era realmente um ser humano de um calibre superior. E isso é precisamente o que acontece com Carl Sagan nesta biografia.

As pessoas associam Carl Sagan à astronomia. Mas os seus interesses fundamentais orientavam-se muito para uma área específica da biologia (que ele praticamente fundou) e para o estudo dos planetas (mais do que das estrelas distantes e das galáxias, como é típico num astrônomo profissional). No fundo, a questão que atravessou a carreira científica de Sagan foi a de saber se há vida no universo além da Terra. À disciplina da biologia que tem por missão descobrir e estudar a vida extraterrestre começou a chamar-se "exobiologia"; e Sagan foi um dos pioneiros nesta área de estudos. Também os seus estudos sobre as atmosferas dos planetas do sistema solar, nomeadamente Marte e Vênus, representaram muitas vezes avanços científicos importantes. Em ambos os casos, o interesse de Sagan era encontrar vida extraterrestre.

A importância de encontrar vida além da Terra é enorme; e não estou a falar sequer de encontrar formas de vida inteligente. Encontrar uma qualquer forma primitiva de vida microscópica em Vênus ou Marte ou noutro planeta é imensamente importante, pois será a demonstração cabal de que o aparecimento da vida é um processo natural normal que acontece quando se reúnem certas condições. Este resultado será terrível para o argumento tradicional do desígnio, pois demonstrará que a vida é o produto natural das leis da natureza, e não a expressão da vontade de uma divindade. Os resultados de Miller-Urey, nos anos 50, foram altamente encorajadores: simulando em laboratório as condições atmosféricas da Terra primitiva, rapidamente se formaram moléculas orgânicas. Este resultado fazia prever que a vida seria um acontecimento comum no universo. Mas até hoje nunca se encontrou vida em nenhum outro planeta além da Terra.

Ao narrar a carreira científica de Sagan, Davidson descreve com energia e inteligência os avanços e os recuos, os dilemas e as descobertas das ciências envolvidas na descoberta de vida extraterrestre. O autor domina os temas com mestria e sem obscuridades, empolgando o leitor não só com o papel desempenhado por Sagan no desenvolvimento dos estudos relacionados com a vida extraterrestre e os planetas do sistema solar, mas também de muitos dos outros protagonistas ilustres.

Os aspectos da vida pessoal de Sagan surgem quase deslocados na primeira parte desta biografia, tão intenso é o investimento do autor na história da cultura, da sociedade e das ciências relacionadas com a procura de vida extraterrestre. Mas no último terço da obra, aproximadamente, Davidson deixa praticamente de se referir aos avanços e recuos científicos que rodearam a vida de Sagan, concentrando-se numa espécie de apreciação da obra mais conhecida de Sagan, como "Cosmos", "Os Dragões do Éden" ou "Contacto". O último terço da biografia de Davidson deixa muito a desejar, sobretudo quando lemos 2 ou 3 páginas de descrições de livros que conhecemos bem ou (pior ainda!) quando o autor se dedica a fazer uma história descuidada e pouco rigorosa da recepção da obra popular de Sagan — e se afirmo que essa história é descuidada e pouco rigorosa é porque em muitos casos se baseia quase exclusivamente nas críticas publicadas nas próprias contra-capas dos livros em causa!

À parte este aspecto infeliz do último terço da obra, Davidson apresenta uma biografia inteligente, informativa e cheia de idéias estimulantes sobre a ciência e o seu envolvimento cultural e social. Em muitos casos é óbvia a simpatia do autor por doutrinas quase pós-modernistas acerca da ciência, o que o faz ser vítima de algumas ingenuidades típicas deste movimento cultural — ainda para mais geralmente formuladas como se fossem a descoberta da pólvora seca debaixo de água, nuns casos, ou como se fossem perspectivas óbvias que nem vale a pena discutir. Mas estes aspectos resumem-se a comentários que o autor não se inibe de fazer e não contaminam toda a obra.

Esta obra é uma leitura obrigatória para todos os que admiram Sagan, revelando-nos um homem com um amor inaudito ao conhecimento, o que já sabíamos, mas que teve uma vida cheia de lutas, quer pessoais quer profissionais, quer para ser levado a sério pelos seus pares, quer para alcançar a felicidade — e isto pode ser uma novidade para muitas pessoas. O tranqüilo otimismo que perpassa os textos de Sagan não deixaria adivinhar uma vida que na realidade foi tumultuosa e cheia de armadilhas. O que só confere ainda mais valor a um ser humano que foi capaz de se distanciar de si próprio e de ver o universo e a vida de uma perspectiva cósmica. Uma leitura fascinante.

Livros:

  • Os Planetas. Biblioteca Cientifica Life. Co-escrito por Jonathan Norton Leonard, publicado em 1966 (em inglês).
  • A Vida Inteligente no Universo. Co-escrito por Iosif Shklovsky. Publicações Europa-América, 1966 (em inglês), 1981 (em português), 509 páginas.
  • UFOs: A Scientific Debate. Co-escrito por Thornton Page. Cornell University Press, 1972 (em inglês), 310 páginas.
  • Communication with extraterrestrial intelligence. MIT Press, 1973 (em inglês), 428 páginas.
  • Marte e a Mente do homem. Artenova, 1973 (em inglês e português), 143 páginas.
  • Conexão Cósmica: Uma perspectiva extraterrestre. Co-escrito por Jerome Agel. Discute a possibilidade da existência de civilizações extraterrestres. Artenova, 1973 (em inglês), 1976 (em português), 301 páginas.
  • Other Worlds. Bantam Books, 1975 (em inglês).
  • Murmúrios da Terra: A Viagem Interestelar da Voyager Record. Francisco Alves, 1978 (em inglês e português).
  • Os Dragões do Éden: Especulações sobre a Evolução da Inteligência Humana. Premiado com o Prêmio Pulitzer. Francisco Alves, 1978 (em inglês e português), ISBN 0-345-34629-7, 288 páginas.
  • Cérebro de Broca: Reflexões sobre o Romance da Ciência. Uma recompilação de artigos científicos. Francisco Alves, 1979 (em inglês e português), ISBN 0-345-33689-5, 416 páginas.
  • Cosmos. Livro complementar a série de documentários homônima, sua obra de divulgação científica mais popular e influente, o que fez ele se tornar mundialmente famoso. Francisco Alves, 1980, 384 páginas.
  • O Inverno Nuclear: O mundo após uma guerra nuclear. Francisco Alves, 1985 (em inglês e português). Co-escrito por Paul R. Ehrlich.
  • Cometa. Co-escrito por Ann Druyan. Sobre a origem dos cometas. Francisco Alves, 1985 (em inglês e português), 496 páginas.
  • Contato. Estória de ficção científica sobre um contato com uma civilização extraterrestre, serviu de base para um filme homônimo de 1997. Companhia das Letras, 1985 (em inglês), 1997 (em português), 352 páginas.
  • A Path Where No Man Thought: Nuclear Winter and the End of the Arms Race. Co-escrito por Richard Turco, Random House, 1990 (em inglês), ISBN 0-394-58307-8, 499 páginas.
  • Shadows of Forgotten Ancestors: A Search for Who We Are. Sobre a evolução da espécie humana e o desenvolvimento das civilizações pré-históricas. Co-escrito por Ann Druyan, Ballantine Books, 1993 (em inglês), 528 páginas.
  • Pálido Ponto Azul. Considerado uma sequência de Cosmos, trata sobre a posição do ser humano perante o universo e analisa a possibilidade da humanidade como uma futura civilização viajante no espaço. Companhia das Letras, 1994 (em inglês e português), 429 páginas.
  • O Mundo Assombrado Pelos Demônios: A Ciência vista como uma vela no escuro. Uma defesa em prol do método científico e ceticismo em troca da superstição e da pseudociência. Companhia das Letras, 1996, 480 páginas.
  • Bilhões e Bilhões. Última obra escrita por Sagan, considerada como seu testamento ideológico. Co-escrito por Ann Druyan, Companhia das Letras, 1997 (em inglês), 1998 (em português), 320 páginas.
  • Variedades da experiência científica: Uma visão pessoal da busca por Deus. Uma recompilação póstuma dos textos de Sagan nas Conferências Gifford sobre teologia natural. Editado por Ann Druyan, Companhia das Letras, 1985 (em inglês), 2010 (em português), 304 páginas.
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